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Pescaria

Lua cheia, mata cheia
Uma pinga, um facão
Meia-noite, noite límpida
Uma isca, um violão

O rio desce com força e correnteza
Um silêncio permeia o ar e me apraz
No rosto, desenho um sorriso travesso
O rio segue o riso em seu leito voraz

Sentado na beira da proa
Erguendo o velho caniço de ponta quebrada
Com um pedaço de linha mal amarrada
E com pés molhados, imersos, à toa
Assisto alheio o angu desmanchar na água
Ensaiando assim uma pescaria mal amanhada

Para a febre das piabas
Minha atenção descançava noutro lugar.
Lá!... Sobre o afago das ondulações
No mistério camuflado na profundeza
Sob o manto cintilante estrelado

Onde a luz que persevera
Ao incidir na imensidão
A perder-se em linha reta
Vi essência e vi beleza
De todas essas incertezas
Que me perturbam a imaginação
Na constância do tapete fluvial
Um grande ponto de interrogação

E o peixe, que nada sabe sobre isso
Interrompe minha pesca
Ao desfisgá-lo, escorrega
E cai da minha mão...
Aí me vem frustrante questão:
-Que nexo faz tudo isso então?

Ah mundo de histórias mal acabadas!
Aqui, nada se completa
E o que não se entende
O tempo e o acaso carregam

Vislumbro mais uma vez o véu estrelado
Resignado como pescador que nada pegou
Resguardo resquícios de sonhos que ainda possuo
Certo, seguro e esperançoso respiro fundo...
Hora de retornar. Meu violão será meu refúgio

Comentários

  1. Amigo me espera, que vou pegar o violão.
    Esse poema lindo tem ritmo, tem musicalidade...Muito bom!

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