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Mostrando postagens de 2011

Texto Mutilado

Encarnei, sem nem mesmo conhecer, Bernardo Soares. Escrevi longos e breves aforismos sobre meu anonimato E se era, ele, apenas mais um membro mutilado Joguei fora também aqueles textos desassossegados   Assim o fiz, sem nem mesmo antes os lê De maneira tal, semelhante nos faz a vida Se nos livra antes mesmo de nos conhecer

Outono

Quanto tempo demorei para entender Que o outono é o fim da primavera... Assim fazem os poetas. Dissimulam o óbvio implícito Esfregam em nossas caras Sem nos deixar conceber Até que enfim sintamos Já não quero mais fazer isso. Quero bradar as quatro estações A redundância veemente dos pleonasmos Pois já não sei mais o que sinto... Perdi a noção do valor do sentido E não existe paz em nada dissimulado na vida...

Punhais

Dos seus punhais afiados Faço meus broquéis improfícuos... E, assim, tu me machucas duas vezes Sempre de dois jeitos distintos Um, quando sou atingido E, de novo, quando, em vão Ao tentar revidar, enfim, percebo: -Inevitavelmente, me firo

O Misantropo

Na angustia de meu temperamento extremista Nunca buscarei ser tudo Muito menos suportarei ser nada. Não suportarei esperar a morte Perambulando em vida Apenas posso doar de mim pra mim Um pouco a cada conquista Não posso perder o espetáculo da vida Essas figuras lendárias que são os mitos de suas próprias histórias Preciso duma dose diária dessa humanidade doentia Nela reside meu entusiasmo, minha alegria Nunca serei feliz sozinho literalmente Pois é preciso de muita gente Para que me sinta sozinho plenamente Somente assim, no fundo da minha alma Estarei sempre sentado ali Sobre a pedra filosofal Compenetrado a divagar sobre tudo Como se nada a minha volta existisse...

Finda(Descanso)

(...) e graças à Deus todo final de semana É sábado e domingo! E graças à Deus existe a noite após o dia! E graças à Deus, também Toda vida anoitece e é finda! Quisera Deus neste dia fatídico Finalidade e fim fossem amigos! Quisera eu neste imemorável dia Felicidade fosse sempre assídua!

Princípios

Comecemos pelo principio: -Do instante se faz o presente Que transforma o porvir em mito Que vira um mero vulto irrisório Da lembrança dos tempos idos Vestígios, vertigens, miragens Deixados nas curvas do labirinto Perdidos na esquina dos devires Com a rua dos lapsos esquecidos. Comecemos pelo agora Do presente se faz o princípio.

Pequeno Notável

Só existo quando apareço ao seus olhos Breve momento gratificante que me faz Acreditar que sou algo além, algo mais Daquilo que consigo, do que me mostro Daquilo que não basta, que não satisfaz Quando sua atenção se desvia Aquele breve momento se desfaz Aquela forma morta se modifica Para algo além da vida Para algo além do mais...

Persona Non Grata

Então aí está você! De certo, veio me zombar De fato estavas certa Tenho que me conformar... Aquilo não é para nós Criaturas periféricas, rastejantes Soturnas, obscuras, repugnantes Nós que vivemos de matéria-prima Nós que enxergamos além da noite Atravessamos o dia a espreitar Para que fui me aventurar? Agora eu sei, não pertenço àquele lugar. Enganosa vaidade que me contrariou o temperamento Equivoquei-me à simplicidade que me é peculiar Logo na entrada me tacharam de intruso Acuado, andei pelos corredores da soberba Entre os olhares alvoroçados de desdenho Sai escorraçado, cabisbaixo, diminuto Nem sequer pude me apresentar! Barata, minha amiga! Vamos comemorar... Aqui me encontro de volta! Chame nossas colegas Aranhas e cobras, morcegos e lagartixas Um brinde ao breu da escuridão e da noite! Um brinde ao nosso lar! Fiquemos por aqui Comendo e bebendo pelas bordas Rumo ao miolo! Rumo ao centro! Enquanto a humanidade se afoga Em seu próprio excremento!

O Funcionário Exemplar

(...) e as palavras foram surgindo Acomodando-se lado a lado E os versos foram se formando E as rimas, quem diria!, compareceram Bem-vindas e espontâneas... Um poema desemaranhou-se Mas não estava pronto. Eram três e meia da noite Abriu os olhos perplexos Contendo-se num suspiro indignado Após um breve pausa interior Cessou-se o estro! Aspirou, consigo mesmo: - Um dia desses, quem sabe? Um dia desses serei poeta! É! Funcionário do amor! Exemplar na tristeza Compenetrado na dor Competente na saudade Assíduo na felicidade! É! Um dia desses!... Um dia desses, acordo tarde... Assim ficou... O entusiasmo deu lugar ao antigo marasmo Franzindo a testa feito menino emburrado Passou a noite em claro De olhos vermelhos, pensamento vago O poema anoiteceu e ele, Pontualmente, amanheceu Sonolento e inconformado...

Expresso

Não sei... Apenas sinto... Mesmo que saiba, não existo! Não vejo, não ouço, não digo Sou esta mão que escreve Involuntária e freneticamente Veia pulsante, sangue fervente O coração, músculo pungente A ideia fixa, convicta, latente A palavra solta, independente O verso espontâneo, perene Um poema leve, displicente A paz, a alma, a calma Lentamente.. Não sei... Não vejo, não ouço, não opino Nem sequer existo! Apenas sinto...

Pela sua companhia

Pode pegar tudo que tenho e é meu Eu tomarei também tudo que é seu Fiquemos alienados, separados, alheios Dois universos juntos, assustados Imensamente vazios, cheios Daquilo que nunca nos pertenceu Mas não vá embora, cumpra seu papel Não me abandone assim Como o mundo me concebeu Antes de estar ao seu lado Antes mesmo de ser seu Vulnerável, sozinho, desamparado Perdido pelo acaso do adeus.

A Idéia Assombra

O mundo lá dentro é sempre absconso, sombrio A voz que se ouve é abafada de uma rouquidão agonizante As imagens que se vê, imagem nenhuma vem a ser São vultos turvos, apenas esboços marrom-acinzentados A atmosféra é densa, o tempo é fechado É sempre noite todas as horas do dia! O vento que assovia levanta nébula Enegrece mais o mero resquício da idéia As cores somente se materializam do lado de fora da vida Os olhos abrem passagem para esta realidade longínqua Morre o ideal preso à sombra entre paisagens divididas De resto, vira tudo lenda, mito ou invencionice frívola

Boneco de Pano

Vazio é seu peito Inexpressivos, seus olhos de botão Costurada é sua boca Inertes, seus membros de algodão Se pensas sentires algo É que enganas a ti mesmo És vítima da própria essência Isenta do efeito humano do ímpeto Imune a sua voraz inconseqüência Se pensas sentires vivo Mentes desesperadamente Pois, tu sabes, és ninguém Salvo mero vulto da idéia de outrem Pereces encostado num canto Sem sangue, sem veia nem pulsação Paralítico, largado, jaz esquecido Longínquo ao sopro divino da paixão Da tua mórbida presença, pouco fazem Por ti, passam feito sujeira na passagem Ninguém desconfia tamanha vaidade Ficas ali, ao relento, fora da embalagem Não sentes ódio nem sentes amor Não sentes culpa nem sentes dor Quão mais complexo é o carma Do ser vivente, errante e sofredor

Adorável Imprecisão

Venha-me a graça Com um gesto sereno, construa! Venha-me a desgraça Com a força obscura, destrua! Igualmente lidarei com elas Com suficiência imprecisa De vigoroso furor, De tranqüilidade e sesta. Levo comigo a desconfiança Que viver assim possa ser a medida certa Quase convicto de que o instinto é a meta A régua para medir a satisfação inquieta Deixa! Deixa-me aqui! Deixa-me assim! Deixa estar! Cada passo meticuloso e prescrito Uma nova incerteza, um outro lugar... Quem saberá? Dos mistérios impossíveis, emerso Conforto-me numa ingenuidade incrédula Plenificado, perdido e liberto Pelo caminho daquilo que me é Transitoriamente incorreto.

Insumo

O insumo seria o bagaço da cana Que vira doce, açucar, rapadura e torna cana Que toma a gente como a gente a toma E nos consome em gomos até ficar em coma O insumo seria o bagaço laranja Que tem o amargo e tem o doce E a gente come como se nada fosse E a ácida casca mastigamos com olhos lacrimosos E por não se conseguir com gula Quando nada sobra da matéria bruta Então, em suma, resta o verso E se ainda ficou sumo no decorrer do processo Logo vê-se que faltou argúcia, não se viveu direito Trabalhar a amargura é o jeito certo Devolvê-la a doçura e nutrir-se dela Saturar, sugar até esgotá-la por completo.

Do Alto

A Arte é um quadro pendurado na sala de estar. Permeia o ar com o rumor de seu silêncio Enfeita o ambiente com sua presença sombria Enquanto os olhares receosos apenas a superfície lhe visitam Seu mistério sério e contudente nos envolve incisivamente Marca-nos com seu olhar tenro, sereno E os que ali a vêem assim inútil, inofensiva e inocente São estes que seguem improfícuos, levianos e ausentes Tomados pelo temor inexorável do além. Ó Arte, humano e onipresente espírito! Preces, dúvidas, indagações e desejos! Inusitada, seja como a volúpia do arrepio Vultosa, apareça como um sopro de calafrio Generosa, alimenta o ócio com ensejo Delicada, acalenta a alma com a própria vida Real, permaneça como um fantasma. Não urge nem age por desesperança ou descrença Perdure despreocupada com a sobrevivência. Jamais, a Arte, subestime! Ela nos assiste de cima Do alto da parede da sala do ser e do estar.

Livro também disponível no site da AMAZON e Livraria Cultura

Amigos, o livro 'Todos os sentidos' também poderá ser adquirido pelo site da AMAZON pelo preço de $17.00 e na Livraria Cultura pelo preço de R$ 27,84. Támbem passou a ficar disponível para pesquisa no Google Books . Confiram lá!!! Abraço a todos

Prosopopéias

(...) Quando o mundo não toma jeito O poema toma forma de discurso O intento toma prumo de protesto A palavra vira o verso e revira Desdobra o universo ao avesso Em meio as nuvens turbulentas A poesia brada, a trova troveja Uma proposta arriscada se apresenta O verdadeiro significado relampeja O firmamento, antes impensável Incrível! Agora veja, é fato! Ele estremece, ele cambaleia... Um espaço se abre para os novos valores Um caminho se abre para outros conceitos Novos pilares se fincam e se erguem Nada mais derruba a estrutura verdadeira (...)

Trégua

Em algum lugar ermo e sereno, terreno que a ninguém pertence, as tropas da libertação exaustas bebem água, ofegam e abrigam-se. Logo anseiam por um breve ensejo. É a pausa que concretiza um eterno momento marcado por um sonho pertinente e passageiro: a paz. A bandeira branca hasteada sacode aos altos ventos: - Parem todos! Faz-se encarecido apelo. E o mundo lá fora dantes hostil e desatento, presto vem abraçar o mundo férreo e indomável aqui dentro. Coagula-se o sangue. Estanca-se o escorrimento.

Novo livro disponível para compra

Olá Amigos, neste sábado, 05 de fevereiro de 2011, obtive uma nova conquista particular. Meu segundo livro foi lançado e já está disponível para compra site da Seven Virtual Book junto com outros lançamentos na primeira página. Abraço à todos que colaboram no processo valeu ;-)

Ensaio sobre o tempo

Nunca é suficiente. Tudo é muito pouco perto do “nunca” Não espere, se apresse, não corra, não fique, se esconda, não fuja! Tudo é insatisfatório Sempre deve haver mais Mais é sempre pra frente procure, persista, não acharás mais tempo, consenso, mais vida! Nada é sempre indefinitivo Nada é definitivamente pra sempre Sempre é intermitentemente nada Tempo é definitivamente insistente em deixar-se passar desapercebidamente sem sabermos que nunca sempre é sem sentido

Boa Noite

Boa noite, se eu não durmo Pois a poesia não me deixa dormir. Ela está bem aqui, lá, no ar, acolá, em todo lugar querendo dizer querendo falar Fecho os olhos, não consigo sou compelido a abri-los. Minhas pálpebras pesadas já não carregam O peso que trago comigo. É denúncia, é verdade É tristeza, é saudade São ecos passados, desejos futuros Mas é sempre alegria Empunhar a caneta E extravasar poesia... Já está claro e mesmo assim Finalmente, posso dormir. Adormeço aquecido ao calor De seu hálito rente ao ouvido: - Belos sonhos! Ela me sopra baixinho.